terça-feira, 28 de janeiro de 2014

MANIFESTAÇÃO


O Brasil é um país democrático. Desde o final da ditadura militar e a abertura política ocorrida em 1979, todos tem o livre direito de expressar sua opinião diante de qualquer tema. E após a abertura, tivemos dois momentos de grande mobilização popular.
 
O primeiro ocorreu em 1984, no movimento “Diretas Já”, que se baseou numa emenda constitucional elaborada pelo então deputado Dante de Oliveira, que sugeria eleições diretas para presidente para aquele mesmo ano. Criou-se uma verdadeira comoção nacional em torno do tema. Artistas, intelectuais, esportistas, jornalistas, políticos e membros de todos os segmentos da sociedade se fizeram representar nesse movimento, que foi pautado pela ordem. O movimento não surtiu efeito, pois a emenda foi rejeitada pela maioria do Congresso, na época formada por conservadores. Sendo assim, a forma de escolha do presidente da República continuou sendo por voto indireto. Porém, grande parte daqueles que participaram do movimento passaram a apoiar a candidatura de Tancredo Neves, que acabou sendo eleito. O resto todo mundo sabe. Tancredo faleceu antes de assumir, Sarney, como vice, assumiu a presidência, com o apoio de um “centrão”, que tomou conta do poder, a oposição se esfacelou e tudo caiu na mesmice. Logo em seguida, iniciou-se o processo de reforma integral da Constituição, com a formação da Assembléia Nacional Constituinte, que acabou por lançar a nova Constituição Federal em 1988, já com a previsão de eleições diretas para todos os cargos a partir de 1989.
 

O segundo grande momento ocorreu em 1991, quando do “impeachment” do então presidente Fernando Collor. Apesar do incondicional apoio da imprensa (principalmente da imprensa dominante, isto é, aquela que efetivamente faz a “cabeça da moçada”), o movimento também foi de grande comoção e mobilização.  Lembrando que a emissora dominante, que incitou o povo para depor Collor, foi a mesma que promoveu sua eleição dois anos antes. E o resultado, todo mundo já sabe. Collor renunciou, Itamar Franco assumiu (alguém se lembra dele?), veio o plano Real, que elegeu FHC, que, quatro anos depois, foi reeleito, e por ai vai.
 

Não quero aqui questionar a validade desses movimentos que, queiramos ou não, fazem parte da história recente do País e devem ser considerados como fatos marcantes. O que avalio é a qualidade da manifestação. Eu fui testemunha viva desses movimentos, participei de alguns comícios, estive em algumas passeatas e, confesso, não me lembro de ter visto nenhuma cena de vandalismo.
 

O problema é que depois da polarização política existente no Brasil, após a eleição de Fernando Henrique Cardoso, houve um verdadeiro arrefecimento dos movimentos populares, sendo que passamos a observá-los como fatos localizados. E, muitos deles, chatos, muito chatos! Eu que o diga, em minhas viagens pelo interior do Nordeste, muitas vezes cansado, louco para chegar ao destino quando, de repente, surge uma barreira imposta pelos “Sem Terra”, protestando em prol de sua causa. Tudo bem que eles tem o direito de protestar, mas, não seria mais fácil realizar essa manifestação em frente ao palácio do governo ou na sede do Incra? Ou no Congresso Nacional? E como fica o direito de ir e vir? E de bloqueio em bloqueio, esse movimento só consegue conquistar cada vez mais a antipatia da maioria da população.
 

Isso sem falar das greves dos trabalhadores que atuam em serviços essenciais. Motoristas e cobradores de ônibus, policiais, médicos do serviço público e por ai vai. Essas greves só atrapalham o povo, mais ninguém. Principalmente as classes menos favorecidas. Mas, e os governantes? Como ficam? Na verdade, morrendo de rir. Pois em vez da população se voltar contra os políticos, se volta contra as classes que estão reivindicando melhores condições de trabalho. Mas, não se pode tirar o direito de se fazer greves, assim como o direito que o povo tem de se manifestar.
 

Em meados do ano passado, começou um movimento contra o aumento das passagens de ônibus em São Paulo, com a participação, inicialmente, de estudantes. A princípio, eram minoria, mas, faziam muito barulho e causavam um caos total no já crítico trânsito da cidade, o que gerou algumas críticas por parte da imprensa. Teve o caso de um articulista que chegou meter a cara diante das câmeras e literalmente “espinafrar” seus participantes, chamando-os de “filhinhos de papai”, “rebeldes sem causa” e “baderneiros”. Essa foi a senha para que o movimento ganhasse as ruas, com mais força. Com o lema de “não é pelos vinte centavos”, o movimento se espalhou por todo o País. Com o uso das redes sociais, começou a questionar os gastos exorbitantes com as obras para a Copa e Olimpíadas, o mau uso do dinheiro público, a corrupção, enfim, contra a situação política do País, convocando a todos à participação no movimento. E, convenhamos, conseguiu mobilizar a simpatia de muitos, até mesmo do articulista citado, que passou uma tremenda vergonha, pois foi obrigado a negar tudo o que tinha dito antes. E a mobilização conseguiu com os brios dos políticos, que começaram a se preocupar verdadeiramente com a situação. Até mesmo a presidente levou a sério o teor das reivindicações, exigindo transparência e postura ética por parte dos nobres colegas e divulgando algumas decisões paliativas para tentar acalmar a massa. Só que o tempo foi passando, o movimento foi se esvaziando e terminou com a antipatia popular por conta de atos de vandalismo e depredações.
 

E isso aconteceu por conta da absoluta falta de liderança do movimento. Se perguntássemos, na época, a cem manifestantes o que eles pleiteavam, garanto que teríamos pelo menos vinte ou trinta respostas diferentes. Na verdade, são tantas as reivindicações que seria impossível enumerá-las. Isso por conta da heterogeneidade dos membros. Uns, mais abrangentes, desejavam uma reforma política profunda, que culminaria com o fim da impunidade em atos de corrupção e a transparência na política. Outros, convivendo com problemas mais localizados, desejavam melhores condições de vida, ou seja, justiça social. Mas, no fundo, quando as reformas abrangentes são conquistadas, todos vencem. Mas, faltou essa liga.
 

Agora, na iminência da realização da Copa e diante de tantas notícias ou na falta das mesmas, descobrimos que essas manifestações viraram sinônimo de vandalismo.  Percebemos que as notícias que são divulgadas tratam do pequeno número de participantes no destaque das cenas de depredações. Com isso, o poder público se vê no direito de usar a força policial com veemência, até porque a imprensa se coloca de forma contrária ao movimento, assim como boa parte da população. Óbvio que teremos um lado falando mal da polícia, por conta da força bruta, e o outro lado falando mal dos manifestantes, dizendo que a ordem deve ser mantida. Fica o dito pelo não dito... E como provar que o estudante baleado durante o ato estava ou não armado? E que tentou esfaquear o policial que estava no chão? Por que os policiais responderam com balas de verdade, ferindo gravemente o estudante? Até que ponto é verídica a informação de que o estudante portava artefatos inflamáveis? Ninguém vai acreditar em ninguém, essa que é a verdade. E tudo acabará no esquecimento, até que outro fato do tipo venha a acontecer.
 

E quem tem razão nessa história toda? Na verdade, ninguém. A oportunidade que o povo tem de se manifestar de verdade é através do voto. Não tem outro jeito. Por mais que o povo esteja cansado de tanta bandalheira na política, já vimos que sair pelas ruas quebrando tudo, com requintes de guerra civil, não adianta. E enquanto o jogo de interesses prevalecer na mídia e a população continuar refém desse jogo, não sairemos do lugar. Lula conseguiu trazer a Copa para cá. Muita gente não gostou, mas, ninguém protestou. A mídia vibrou demais, com a possibilidade de se embolsar muito dinheiro. No meio do “oba oba”, tivemos eleição presidencial. Era a senha para demonstrar o descontentamento. E o que o povo fez? Deu mais um voto de confiança ao governo, elegendo Dilma Roussef. Na próxima eleição, tudo indica que o povo dará mais um voto de confiança ao PT, reelegendo Dilma, mesmo diante de todos os desmandos ocorridos. Conclusão: o resultado das urnas demonstrará que o povo concorda com tudo isso que está ai. Concorda com Copa do Mundo, com gastos de quase R$ 10 bilhões (até agora), com falta de tudo em todos os setores básicos, enfim, com toda a situação atual imposta. Agora, se o povo se convencer que tudo o que está acontecendo não convém, que mude seu voto e que cobre efetivamente dos governantes, usando as redes sociais, procurando saber o que esses governantes tem feito de bom.
 

E não será vandalismo, depredações, “quebra quebra”, “olho por olho, dente por dente” que fará a diferença e convencerá a grande massa votante desse país. O que falta é esclarecimento, envolvimento, convencimento. Isso só se consegue com educação, com investimento na mudança de postura de um povo. Enquanto tivermos gente votando em “paredões” de “realitys shows” e ajudando a enriquecer mais ainda uma certa rede de TV, não teremos mudanças. Enquanto continuarmos a cortejar a geração “rolezinho”, não daremos um passo sequer rumo às melhorias desejadas. Enquanto continuarmos reféns da mediocridade cultural reinante, nos manteremos anestesicamente prostrados, vendo poucos se dando bem e a maioria pastando no lodo.
 

Para finalizar, lembramos que a qualidade dos políticos de um Estado democrático é reflexo da qualidade de seu povo. Portanto, usemos nosso poder de censura, mudando a TV de canal ou trocando a emissora de rádio que só nos traz a mesmice. Busquemos o novo, sem nos deixar trair por falsos profetas. Esse ano é ano eleitoral. Façamos fazer prevalecer nossa vontade e buscar esclarecer os que ainda não compreender o processo. Assim, poderemos fazer uma manifestação branca, pacífica e consciente.

Um comentário:

  1. Excelente texto!!!
    Parece chavão dizer, mas a velha política de "Pão e circo" continua tão atual como nos primórdios do Império Romano!!!

    ResponderExcluir